Em entrevista a “CTA Newsletter”, Arnaldo Ribeiro, empresário e membro do Pelouro do Agronegócios na CTA, considera que após a independência nacional em 1975, o ambiente de negócios nunca conseguiu ser adequado para o desenvolvimento da agricultura em Moçambique por falta de políticas claras e concretas. Na entrevista aponta vários obstáculos que minam o ambiente de negócios neste sector e avança algumas soluções. Considera que, o Governo devia dar mais protagonismo ao sector privado criando mecanismos de apoio e incentivos que atraiam e motivem o sector privado a investir na agricultura. Siga a entrevista.
A Agricultura foi definida pelo Governo como a base de desenvolvimento do país, mas a realidade mostra que tem sido o sector mais marginalizado, tanto em termos de financiamento assim como de incentivos. O que está a falhar?
– Para além deste Governo e os outros anteriores terem definido a agricultura como prioridade, a própria Constituição da República obriga que os Governos definam este sector como a prioridade número um da sua governação. Esta obrigatoriedade tem em vista alimentar o povo, reduzir das importação, produzir o suficiente para abastecer as indústrias de agroprocessamento e contribuir para a balança de pagamentos. Porém, se olharmos para a nossa realidade, constatamos que estamos muito longe desses objectivos, tirando o primeiro objectivo que é alimentar o povo porque em algum momento e nalgumas cultturas ela contribui para isso. Mas para outros objectivos, como bem disse, estamos muito longe do desejado, pois o País está altamente dependente de importações e não conseguimos produzir o suficiente para alimentar as nossas indústrias. O mercado está inundado de produtos agrícolas que podíamos muito bem produzir internamente. Pode se concluir que, a agricultura não está a cumprir com o seu papel apesar de todos os esforços que têm vindo a ser empreendidos ao longo destas quatro décadas e meia da independência nacional. Isso deve se muito, principalmente depois da guerra de desestabilização, às próprias políticas. O ambiente de negócios nunca consegui ser adequado para o desenvolvimento da agricultura em Moçambique. Quem trabalha neste sector sabe que o ambiente de negócios é muito difícil e que é extremamente difícil para as nossas empresas terem sucesso. Isto é pior ainda para as micro, pequenas e médias empresas que ainda não conseguiram acumular o capital suficiente para investir e poderem sozinhos ultrapassar os problemas que têm. Tanto para os investidores nacionais assim como para os estrangeiros, continua extremamente difícil encontrar a terra para trabalhar. O facto de não podermos utilizar o direito de uso e aproveitamento de terra para servir de colaterais na contração de empréstimos é um factor bastante limitante. O segundo aspecto é que continuamos a ter competição de produtos importados que estão sujeitos ao pagamento, outros até não pagam, de direitos aduaneiros extremamente baixos que por um lado favorecem o consumidor porque tornam a comida mais barata, mas que, por outro, desfavorecem completamente os produtores nacionais porque devido às suas diversas dificuldades e ao ambiente pouco atrativo para fazer negócio na agricultura têm grandes dificuldades e não conseguem competir com os produtos que vêm de fora. Por exemplo, em outros países, os produtores de cereais, na Ásia, Europa e América, tiveram políticas claras que favorecem o desenvolvimento do sector, políticas essas que estão em prática há várias décadas. Os governos deliberadamente fizeram políticas de apoio, ou através de subsídios, ou através de créditos dirigidos ao sector, ou através de subsídios ao preço, ou através de preços mínimos garantidos. Em Moçambique, não temos nada disso, aqui estamos sozinhos, temos que competir com países adultos enquanto ainda somos bebés a gatinhar, não temos uma classe empresarial formada no sector, não temos protecção de mercado, não temos fábricas, estamos sujeitos a importação de tudo que necessitamos para o desenvolvimento da agricultura, estamos sujeitos a flutuações cambiais porque é tudo importado. Como é que a nossa agricultura pode competir com outros países que têm décadas de trabalho árduo e sério aliado a incentivos concedidos à agricultura. Portanto, as importações e ausência de mecanismo de estabilização de preços faz com que o preço do agricultor seja extremamente baixo e não compensatório, que não nos permite cobrir os custos de produção e ficar com lucros.
Mau estado das vias de acesso e falta de energia eléctrica
Ademais, Continuamos a ter altos custos de logística dentro do país impulsionado pelo mau estado da rede rodoviária que muitas veze não chega aos locais de produção. Temos a questão da rede eléctrica que, depois de muito esforço do Governo, até agora só chega às capitais distritais, não chega aos locais de produção. Muitas vezes, são os próprios produtores que constroem as linhas de electricidade, colocam os postes incluindo PTs, portanto, são custos que os agricultores são obrigados a incorrer e que reduzem a sua capacidade de competitividade. Outro aspecto, é a grande vulnerabilidade do País em relação às cheias e à seca. As margens dos principais rios do País, locais de grande produção, não estão devidamente protegidas contra as cheias e quando chove as machambas são constantemente alagadas perde-se muitas culturas. Em relação à seca, também não há reservatórios espalhados nas zonas de produção para captação de água de chuva ou mesmo nos períodos de inundação que podiam captar a água que depois seria utilizada pelos agricultores em períodos de seca. Em muitas zonas de produção não existem serviços agrários e os agricultores quando necessitam de sementes ou adubos têm que se deslocar às capitais provinciais porque as vezes nem nas sedes distritais não existem os serviços agrários.
A não prorrogação do incentivo de 10% do IRPC
A não prorrogação do benefício de 10% do IRPC que era fixado para agricultura, que passou para o mesmo nível de outros sectores de economia, ou seja a agricultura, a partir de 1 de Janeiro 2016, passou a pagar igual IRPC de 32%. Ora, num sector com tantas dificuldades de operação, que tem que competir com tantos produtos baratos vindos do estrangeiro, em que as margens de lucro, principalmente na produção de comida, são muito pequenas, uma taxa de 32% sobre o seu lucro logicamente que diminui ainda mais a capacidade de as empresas fazerem o reinvestimento e expandirem a sua produção ou a sua actividade. Com a redução de capacidade de investimento e de expandir a sua actividade, o agricultor também não pode ir ao banco buscar financiamento. Por isso, a reposição de 10% no IRPC é um aspecto bastante importante porque o Governo retirou o principal incentivo que existia no País para estimular a actividade agrária e investimento neste sector. Fala-se de redução de 50% da taxa incidente sobre os combustíveis e redução do preço de electricidade para agricultura, mas se ponderarmos muito bem vamos observar que estas reduções têm um peso muito pequeno nos custos de produção, isso seria bom com o IRPC a 10%, mas a 32% o efeito desta redução de taxas de combustíveis e de electricidade, não é nada. O principal incentivo ao investimento no sector de agricultura foi o que foi o IRPC a 10%. Portanto, a situação não é boa na agricultura. Há um grande esforço que o Governo está a fazer em relação aos agricultores de subsistência. Há alguns programas que infelizmente são dirigidos apenas aos agricultores de subsistência e não tem permitido o sector privado apresentar os seus projectos e ter acesso a financiamento nas mesmas condições em que o Governo tem, ou seja, em condições preferenciais de taxas de juro e de prazos de pagamento. Nesses programas, o sector privado aparece a prestar alguns serviços mas não é dirigido a micro, pequenas e médias empresas agrárias para construção de regadios, estufas, aquisição de equipamentos e outras coisas. Se desse ao sector privado, haveria de fazer essas construções a preços mais baixos que aqueles que o Governo paga para instalar essas coisas nas associações e a experiência mostra que grande parte desses regadios são subutilizadas e em algumas vezes são usadas para fazer culturas de sequeiro porque muitas dessas associações não têm dinheiro para pagar a electricidade, não conseguem cobrar taxas de água para manter o regadio. Em quase todos os casos, os regadios só funcionam um ano enquanto estiver lá o técnico da ONG ou do Governo, mas depois disso não acontece mais nada. Se fosse dado ao sector privado a oportunidade de apresentar os seus projectos, como acontece em outras partes do mundo, se calhar a situação podia melhorar. A mesma coisa seria feita com as máquinas, grande parte dos tractores foi para os parques de máquinas em sítios onde o próprio Governo decidiu. Há muitas máquinas paradas porque não há dinheiro para compaar sobressalentes ou para abastecer e ai há muita subutilização dessas máquinas. Mas, se tivessem dado a oportunidade ao sector privado, as micro, pequenas e médias empresas de se candidatarem a essas máquinas e fazerem as suas próprias machambas, se calhar hoje teríamos mais produção do que temos agora com as máquinas concentradas nos parques para servirem ao sector familiar. O mesmo pode se fazer com as fábricas entregando ao sector privado em vez de o Governo construir fábricas para competir com o sector privado. A mesma coisa podia também acontecer com os silos. Agora o Governo está a procura de privados para gerirem os silos e as fábricas, e os privados dizem que os silos e as fábricas não estão em sítios certos onde podiam fazer bom negócio, outros dizem que os silos são muito grandes para o que se pretende, portanto, o Governo devia investir mais no sector privado e envolve-lo nos investimentos que tem vindo a fazer neste sector.
É preciso garantir um preço estável e compensatório
Que reformas, o Governo devia fazer para tornar a agricultura realmente a base de desenvolvimento do País?
– Devíamos tomar várias acções: Primeiro, garantir um preço estável e compensatório aos produtores de determinados produtos que o Governo pretende estimular e fomentar e principalmente para alimentos. Não vai ser possível produzirmos cereais no país sem que haja estabilidade de preço e sem qua haja preços compensatórios para os produtores. Isto pode ser alcançado através de fomento à produção, em que o investimento privado podia ser feito em agroindústrias que servirias de líderes de cadeia de valor de vários produtos em que vai trabalhar numa determinada região, em qua a partir dessa agroindústria os produtores teriam um preço garantido no principio da época das lavouras, ou seja, antes da preparação da terra deveriam saber a que preço vão vender o seu produto e esse preço deveria ser garantido por mecanismos de políticas que vão desde o subsídio ao preço passando pela imposição de direitos aduaneiro um pouco mais elevados e ai o camponês escolhe a cultura que vai semear porque sabe que lhe vai fazer ganhar dinheiro. Neste momento, o camponês semeia as escuras sem saber a que preço vai vender o seu produto.
O segundo aspecto que o Governo devia concentrar a sua maior atenção é numa grande reforma no sector de sanidade vegetal e animal. O País está completamente vulnerável a pragas e doenças, quer seja para as plantas assim como para os animais. Temos exemplos de “lagarto de funil” que entrou e dizimou milhares de hectares de milho, a doença do “panamá” que fez falir a empresa Matanusca, temos a doença da banana a BBTV, temos a febre aftosa, temos a tuberculose que é um grande problema no país. Não vale a pena andar a fazer matadouros dos mais bonitos que o país possa ter e com maior tecnologia possível, sem resolver o problema de tuberculose nos animais. Isto, para mim, não está a merecer a devida atenção. É preciso fazer uma grande reforma no sector de sanidade. O que está em causa é que a área de sanidade quer animal assim como vegetal, não consegue fazer força para se impor, não tem autoridade no país porque ela está diluída. Ao nível das províncias quem manda na sanidade animal é o distrito depois é a província. Antes de chegar uma notificação de doença tem que passar do distrito depois da província. Não se consegue ter autoridade para trabalhar à vontade. Devia haver autoridade que tivesse uma subordinação vertical assim como funciona a Migração, a Polícia e as Alfândegas.
Temos também a questão da estatística agrária no país. Não temos feito com regularidade os inquéritos agrícolas que seria anual. As fontes são duvidosas e a própria estatística que é apresentada a partir da qual são tomadas as decisão, é duvida. É preciso reformar. Mas, a grande reforma é dar mais protagonismo ao sector privado, criando mais mecanismos que atraiam e que motivem o sector privado a investir na agricultura. Não se pode hesitar em tomar as medidas que outros países que atingiram o estágio em que estão, tomaram e continuam a tomar hoje.
Outra grande reforma, é na componente fiscal, conforme já expliquei o IRPC tem que baixar na agricultura. Também, agro há um movimento do Governo no sentido de fazer baixar o tecto das empresas que são cobertas pelo ISPC de dois milhões e meio de receitas anuais para setecentos e cinquenta meticais. Isto está errado, pelo contrário, devia ser um tecto maior porque uma empresa agrícola que tenha um tecto de receitas de dois milhões e meio e com uma margem de 20 porcento de lucro, ela fica com cerca de quinhentos mil meticais dos quais vai ter que entregar ao Estado quase metade disso pelos impostos e o que fica não dá para nada. Pelo contrário, o tecto deveria ser mais elevado para incentivar a agricultura.
A terra como colateral para empréstimos
O acesso ao financiamento é outro obstáculo. A agricultura é o sector que mais se queixa de falta de financiamento. Há ideia de se usar a terra como colateral, como é que isso pode funcionar atendendo que a terra é propriedade do Estado?
– A terra é propriedade de Estado, mas esse Estado concede o direitos de uso e aproveitamento da terra que pode ir até 50 anos. Se tenho esse título, posso usar como garantia. Se estou situado, por exemplo numa área boa, valorizada, que está dentro dum regadio, próximo do mercado, o banco pode usar isso como garantia e caso não consiga pagar pode passar este título para outra pessoa. É preciso sermos mais liberais. Não se está a falar de privatização da terra, mas, sim, de transacção de títulos de uso e aproveitamento da terra, até porque isso pode ajudar a resolver muitos problemas.
Em relação ao financiamento, há dinheiro mas as condições de acesso é que constituem problema. Todos os bancos dizem que têm dinheiro para agricultura mas o crédito concedido é apenas 4% do total de crédito disponível. Isso é ridículo num país onde se diz que a agricultura é a base de desenvolvimento. As pessoas não vão a banca contrair empréstimos porque é impossível pagar qualquer crédito com juros acima de 10 porcento em que em certas culturas é preciso esperar três ou quatro anos para colher, nas taxas de juros actuais que ultrapassa 20 porcento é impossível pagar.
Diz-se haver disponibilidade de dinheiro, mas se formos a observar bem vamos ver que essas linhas de financiamento disponíveis em condições favoráveis para a agricultura são bastante limitadas e em muitos casos bastante localizadas por vezes por interesse do doador e/ou do Governo. Por exemplo, havia o PROSUL que servia apenas para a zona sul, há linhas que só servem para Manica, há linhas que só servem para a zona de Vale do Zambeze. E outros pontos do país onde há agricultores que precisam de dinheiro para trabalhar?
A grande vulnerabilidade do país às cheias, secas e pragas, somado às dificuldades de infraestruturas rodoviárias e de electricidade, as incertezas se vão vender os seus produtos e a que preço, aumenta a percepção do risco aos bancos. O país não tem seguros contra os riscos na agricultura. Logicamente que, o banco, havendo percepção de risco vai cobrar juros muito altos na agricultura. É preciso minimizar os riscos no sector agrário.
Produção de banana: um dos sectores em franco crescimento
O Senhor Arnado Ribeiro é produtor de banana. Qual é o actual estágio deste subsector?
– O sector de banana é um dos que se desenvolveu bem na agricultura. Antes da independência nacional, o País chegou a exportar banana para África do Sul e outros países, na sua maioria era produzida na Manhiça e Marracuene, mas, a partir do período após a independência, com todos os problemas que houve, o País deixou de exportar banana. A partir de 2010, houve um grande investimento no sector da banana que se concentrou mais em três regiões. No sul produz-se mais na zona da Barragem dos Libombos e na Moamba, no norte mais na província de Nampula e na zona centro há vários pequenos e médios produtores de banana. O sector sofreu um grande abalo com a penetração de doenças no país que afectaram principalmente a zona norte. A doença do panamá fez a empresa Matanusca declarar insolvência. Infelizmente, no País só há acçoes depois de a doença penetrar e estragar. Mas esta doença, que é a mais perigoso das que afectam a banana, não se estendeu para zona sul, aqui ainda conseguimos exportar cerca de 50 a 60 milhões de dólares por ano, cerca de 80 porcento da produção é destinada à África do Sul e o restante para o mercado interno. O sector emprega mais de cinco mil trabalhadores. É um sector que está a dar uma contribuição muito grande na economia do País.
Outra ameaça é a doença que foi detectada na província de Gaza, a BTTV, que é transmitida por um afídio. Mas, felizmente, ela ate agora só está concentrada naquela província e com o apoio do Governo e da USAI foi constituído um fundo para combater estas doenças e estamos a trabalhar nisso, já há equipas técnicas e meios materiais.
Uma outra ameaça é a água. A zona de plantação de bananas é irrigada pela água dos Pequenos Libombos e com estas restrições não há água suficiente. Estamos a aprender a operar com menos água e a mudar os médtodos e nalguns casos os sistemas. Algumas empresas estão apostando no sistema de rega gota-a-gota que consome menos água, cerca de 40% daquilo que se consome com o sistema de alagamento.
Arnaldo Ribeiro é da empresa Citrum SA, localizada no distrito de Boane. A firma é membro da BANANAMOZ – Associação de Produtores de Banana de Moçambique, agremiação ainda em fase de registo, cujo Presidente é Arnaldo Ribeiro
