PROIBIÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS COM VOLANTE À ESQUERDA: Despacho do INATTER não pode sobrepor-se ao Decreto-lei
Além de proibir a importação, o Governo decidiu proibir, a partir de Abril de 2019, a circulação de veículos com volante à esquerda para fins comerciais, justificando questões de segurança rodoviária e o contexto regional plasmado no Protocolo da SADC. Sobre esta medida, a CTA endereçou, no dia 3 de Abril corrente, uma carta ao Ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, na qual apela ao bom julgamento para a retirada da proibição, porque a mesma está inquinada de injustiça e ilegalidade, porquanto o Código de Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei apenas proíbe a importação de veículos com volante à esquerda para fins comerciais, e em nenhum artigo refere a proibição da sua circulação. Ademais, não pode a Direcção Geral do INATTER, através do seu despacho, pretender mudar o conteúdo de um instrumento jurídico da hierarquia de um Decreto-Lei.
A CTA recebeu a 14 de Março último, uma nota com referência nº 113/INATTER/3.2/DG/18, informando sobre o a proibição de circulação de veículos com volante à esquerda. Na nota refere-se que a decisão sobre o assunto tem como base as questões ligadas à segurança rodoviária e ao contexto regional plasmado no Protocolo da SADC, para além de proibição de importação, será também, proibida a circulação no território nacional.
Conjugando os dados sobre o desempenho da rubrica de transportes na Conta de Serviços, na Balança de Pagamentos, e o desempenho do transporte rodoviário de mercadoria, pode-se inferir que a redução do peso do transporte rodoviário de mercado no total, de cerca de 70%, antes da interdição dos camiões de volante a esquerda em 2011, para menos de 30% em 2017, após a interdição, não foi resultado da baixa de procura daquele tipo de serviços. Muito pelo contrário, nesse período, o País avolumou a procura provocando o crescimento do défice o que deve significar importação de serviços externos pela falta de capacidade interna para responder.
Refira-se que, quando esta medida foi introduzida na África do Sul, houve excepção para os veículos já registados até a data. Refira-se, também, e conforme a própria conclusão do INATTER (2014), a transferência do sistema de direcção para o lado direito ou esquerdo é uma transformação bastante cara. Actualmente, o custo estimado é de 300 mil dólares por camião pesado.
Por outro lado, a CTA entende que, olhando para a epígrafe da carta que foi enviada, constata-se que existe uma divergência entre o seu título e o conteúdo da mesma, já que a carta refere a proibição de importação de veículos com volante à esquerda para fins comerciais e o conteúdo expressamente não se refere a proibição de importação, mas sim, o despacho da Directora do INATTER, vem proibir a circulação de veículos com volante à esquerda e impor a conversão de todos os veículos para volante à direita, dentro de um período de um ano contado a partir da data da recepção da nota em apreço.
Perante a situação, a CTA entende que, para além dos problemas económicos acima suscitados e do impacto negativo que a medida irá trazer para o País, o despacho inquina de alguns vícios jurídicos, pois, salvo melhor opinião, se o Código de Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei apenas proíbe, com efeitos a partir da data da sua vigência, a importação de veículos com volante à esquerda para fins comerciais, conforme estatuído no seu n.º 6 do artigo 117 e em nenhum artigo refere a proibição da sua circulação, não pode uma Direcção Geral, através do seu despacho, vir pretender mudar o conteúdo de um instrumento jurídico da hierarquia de um Decreto-Lei.
Ademais, sublinha a CTA, na sua carta endereçada ao Ministro dos Transportes e Comunicações, o despacho suscita algumas ambiguidades pois não se mostra claro se a obrigatoriedade de conversão de veículos se vai impor apenas para os veículos comerciais ou se, igualmente, a medida vai abranger também os veículos particulares. E, neste seguimento, entende que, se a medida se refere, apenas, aos veículos para fins comerciais estes não são, somente, constituídos por veículos pesados visto que são para fins comerciais todos aqueles veículos usados na prossecução do objecto social das empresas, sejam eles ligeiros ou pesados. Ou seja, se uma empresa tem um veículo ligeiro a ser usado por um dos seus colaboradores, esta fica obrigada a fazer a conversão dentro do prazo de um ano.
Mas, se o mesmo tipo de veículo estiver nas mãos de um particular este já não fica obrigado a fazer a aludida conversão.
E mais, se a medida de proibição de importação e de circulação e a imposição de conversão, são apenas para veículos para fins comerciais, significa que uma entidade sem fins lucrativos (ONG, Igreja, por exemplo), pode continuar a importar veículos com volante à esquerda, incluindo veículos pesados (camiões, autocarros), circular nas mesmas rodovias (onde o veiculo comercial não deve) e tão pouco fica esta obrigada a fazer a conversão que está a ser imposta pelo Despacho da Directora-Geral do INATTER aos veículos para fins comerciais. Pergunta-se, onde está, afinal, o rácio desta medida?
Ademais, ainda que se admitisse que a imposição desta medida teria sido emanada pela entidade competente para o efeito, e com toda a legalidade observada, o que não é o caso desta medida, ainda assim, iria se colocar a questão da prevalência do princípio jurídico basilar da “não retroactividade da lei” e da segurança jurídica que o Estado de Direito sempre primou por ela de protecção dos direitos dos adquirentes de boa-fé. Por tudo exposto, e mais, porque injusta, ilegal e em nome da viabilidade da economia e do desenvolvimento económico e social harmoniosos bem como da observância e respeito das hierarquias dos instrumentos jurídicos, a CTA apela pelo bom julgamento para a retirada da proibição comunicada pela nota 113/INATTER/3.2/DG/18, de 14 de Março.
Transportadores apelam à ponderação
Sobre esta medida, o sector privado não está de acordo, porquanto o Protocolo da SADC não proíbe a circulação mas, sim, a sua redução e apela ao Governo a revisão desta medida.
Sobre esta matéria, o Presidente do Pelouro dos Transportes na CTA, Zuneid Calumias, explica que, quando o sector privado tomou conhecimento desta medida solicitou esclarecimento ao Governo tendo em conta que o Protocolo da SADC não prevê a proibição da circulação mas, sim, a sua diminuição gradual e isso está a acontecer em alguns países da região, incluindo Moçambique. Actualmente, a reposição da frota é feita com veículos de volante à direita. O Governo defende que, no prazo de um ano, todos os veículos com volante à esquerda devem ser convertidos, situação que deixa o sector privado preocupado uma vez que a conversão acarreta custos elevados.
“Em termos práticos, este prazo para conversão não é viável, visto que a conversão é muito onerosa. Tendo em conta que o decreto que proíbe entrou em vigor em 2011, se formos a analisar, de 2011 para 2019 que seria o prazo para conversão, seriam oito anos. Tendo em conta que os veículos importados com volante à esquerda não são novos, são importados com uma média de 20 anos de circulação. Portanto, estamos a falar de conversão em carros com mais de 20 anos de circulação, aí o custo é superior a 50 porcento, em alguns casos, do valor residual do veículo, o que é inviável, além de que o Protocolo da SADC não prevê a proibição de circulação”, explicou Zuneid Calumias, para depois acrescentar: “Esta medida vai criar problemas em relação aos países vizinhos que continuam a importar veículos com volante à esquerda e usam os nossos corredores para importar e exportar os seus produtos. Também temos dois países na SADC que usam veículos com volante à esquerda, isso implicaria a proibição de circulação desses veículos no território nacional, o que violaria códigos internacionais nesse sentido”.
Zuneid Calumias disse que os operadores apelam ao Governo a rever esta medida, porque a sua aplicação não é viável. Segundo Zuneid Calumias, a conversão dos veículos de volante à esquerda para direita custa entre 10 a 15 mil dólares, para além de que ao nível nacional não existe capacidade para esta conversão. “Mesmo que se crie capacidade, não vamos a tempo de o fazer”, referiu.
