Por Eduardo Sengo, economista.
Tem-se falado das dificuldades pelas quais os empreendedores no sector agrário tem enfrentado para aceder ao crédito bancário. Afinal, quanto de crédito a banca nacional tem canalizado para o financiamento da agricultura? O que pode estar por detrás da tendência desse financiamento?
As figuras, a seguir, mostram a evolução do volume do crédito que à banca canaliza para diversos sectores. Ela reflecte uma evolução comparativa em quatro pontos do período de 2000 a 2015, nomeadamente, em 2000, 2005, 2010 e 2015. Para efeitos deste artigo, chama-se atenção à componente da agricultura.
Em 2000, o volume de crédito canalizado para a agricultura representava 20% do total do crédito concedido à economia. Esta percentagem tendeu a cair de ano para ano, tendo registado 9% em 2005, 7% em 2010 e 3% em 2015. Em contrapartida, o comércio e outros sectores como crédito de particulares para fins diversos como habitação, cresceram acentuadamente.
A análise de dados mostra que em 2014, cerca de 86% do financiamento à economia de Moçambique estava concentrado em bancos, nomeadamente o Millennium BIM, o BCI, o Standard Bank, o Banco Moza e o Barclays. Se esta tendência de crédito à economia foi de rápido crescimento, mas que para a agricultura houve rápido decréscimo, significa que os maiores concessores de crédito à economia não estão ligados a agricultura. Na análise de produtos bancários existentes, na componente de crédito, verifica-se que apenas BCI e Banco Moza, muito recentemente, tiveram linhas especiais de crédito à agricultura, significando que, de forma geral, existe muito pouco para aquele sector. Experiência dos outros países com sucesso no financiamento e desenvolvimento da agricultura mostram que tal, sempre esteve associado a um produto especializado para o sector. O grande exemplo é a África do Sul onde o financiamento ao sector agrícola é muitas vezes feito recorrendo à algumas associações especializadas para tal e ao Land Bank – o banco especializado no sector agrícola.
Dadas condições pouco desenvolvidas nas quais a agricultura é praticada em Moçambique, a banca nacional sempre defende-se mencionando o alto risco percebido da agricultura em Moçambique. A literatura diversa sobre a bancabilidade de certo sector menciona os aspectos como um mercado maduro, tendências de desenvolvimento do sector, nível de concorrência e perfil dos principais intervenientes, abertura para inovação são aspectos que definem o quanto apetecível é um determinado sector (KPMG, 2014; Saldías, 2011 ). Portanto, o perfil dos principais intervenientes, incluindo a questão de colaterais, impacta no acesso, dada a dificuldade de instrução de um processo bancável na forma tradicional que a banca exige e, as dificuldades e desafios que o sector enfrenta impactam no custo de financiamento devido ao seu risco percebido ser elevado.
Um estudo da KPMG (2014), encomendado pela CTA refere que o sector de agricultura apresenta uma cadeia de valor não completamente desenvolvida ou então concentrada no próprio agricultor. Aqui, verifica-se que os agricultores são os mesmos que produzem, transportam e vendem e isto tem impactos sobre o ciclo de produção. Com estas características, pontos de produção concretos que existem como Boane, Moamba, Chokwé, Muxungué, Gorongosa, Manica, Tsangano, Cuamba, Malema, entre outros, não conseguem abastecer a rede de supermercados existentes que exigem volume, regularidade e padronização dos produtos. Aqui, nota-se um claro vazio na abordagem ao desenvolvimento da agricultura, pois a mecanização e agribusiness, não são por si só aspectos impulsionadores deste sector. Numa situação destas, é difícil tornar o sector comercialmente atractivo e bancável.
Como resultado, assiste-se a importação de produtos diversos para os dois principais segmentos de mercados existentes. O primeiro segmento é constituído por grandes mercados existentes em Moçambique. Estes mercados precisam de ser abastecidos por produtos diversos. O segundo é a rede de supermercados (Game, Shoprite, Spar, etc), que são grandes importadores de produtos alimentares. As condições de que o País dispõe são propícias para a produção de alimentos, os chamados bens essenciais (bens de giffen). Portanto, se conseguir-se montar uma cadeia de valor específica nos produtos agrícolas, o produtor preocupar-se-á em produzir, o distribuidor e comerciante preocupar-se-á em transportar e conservar, assim sucessivamente até chegar à mesa. Num quadro deste tipo, a atractividade do sector pode melhorar e, com isso, o sistema de informação sobre a agricultura, tornando-a mais próxima do financiamento bancário. Vamos montar a cadeia de valor, produto a produto!