- Contextualização
Esta reforma é motivada pelo facto de alguns procedimentos administrativos na importação de factores de produção (e.g. bens e serviços) criarem embaraços na actividade empresarial, principalmente no que se refere ao tempo e ao número de procedimentos.
A principal questão, e que constitui o cerne desta reforma, está associada aos procedimentos a observar no processo de importação de serviços, concretamente no que concerne ao pagamento por estes serviços ao exterior e à necessidade da apresentação da certidão de quitação fiscal para o efeito.
Isto é, quando um agente económico pretende contratar serviços no exterior (e.g. serviços de assistência técnica, serviços de gestão, etc.), para que o pagamento pelos serviços prestados pela entidade estrangeira seja concretizado, é necessário que a empresa contratante (residente fiscal em Moçambique) apresente uma certidão de quitação emitida pela Autoridade Tributária que confirma a retenção na fonte do imposto devido (taxa liberatória), para que o banco comercial respectivo possa processar a transferência relativa ao pagamento.
- Identificação do Problema
O problema está no tempo exacerbado, que é despendido no processo de emissão da certidão de quitação, aliado ao facto de não haver nenhuma disposição legal expressa que obrigue à apresentação de certidão de quitação como prova do pagamento de imposto.
Conforme reportam as empresas que costumam fazer este tipo de operações, para a obtenção da certidão de quitação leva-se em média cerca de 45 a 90 dias após o pagamento do imposto, o que é bastante preocupante pois, dependendo das situações (e.g. nos casos em que exige-se pagamento antecipado), a actividade da empresa pode ficar paralisada pelo período acima até que se processe o pagamento ao exterior após a obtenção da certidão de quitação, o que, logicamente, cria um grande embaraço para o empresariado.
- Enquadramento Legal
- Legislação Cambial
Dispõe a alínea d) do artigo 34 do Aviso 20/GBM/2017, de 27 de Dezembro – Estabelece normas e procedimentos a observar na realização de operações cambiais (“Regulamento da Lei Cambial”) que o banco comercial, para processar o pagamento de serviços prestados por não residentes devem obter dos seus clientes, entre outros, “documento comprovativo do cumprimento de obrigações fiscais”.
Disposição semelhante consta dos artigos 36, nº 1, al. d), 37, al. d) e 38, nº 1, al. d) todos do supra mencionado Regulamento da Lei Cambial, que impõe a apresentação de “comprovativo do cumprimento de obrigações fiscais relativas à transacção”, para efeitos de pagamento de serviços em geral, transferência de salários de não residentes e pagamento pela utilização de direitos de propriedade industrial e intelectual, respectivamente.
Outrossim,
na secção IV do Regulamento da Lei Cambial, sob a epígrafe “Transferência de
Rendimentos” encontramos as disposições relativas
às transferências para o estrangeiro de rendimentos gerados a partir de
operações de capitais. Mais uma vez, nestes casos (e.g. rendimentos de IDE, de
crédito ou suprimentos, e de outras formas de investimento de capital), o
diploma legal em análise somente exige que se apresente “comprovativo do
cumprimento das obrigações fiscais relativas à transação” (cfr Artigos 58, al.
e), 59, al. d), 60, al. e), 61, al. b) e 62, al. c) todos do Regulamento da Lei
Cambial).
Continuando a analisar o Regulamento da Lei Cambial podemos, ainda, constatar que, no que toca a transferências correntes, e tal como dispõe o artigo 64, al. c), mais uma vez se exige a apresentação do “comprovativo de que se mostra pago ou assegurado o imposto que for devido relativo ao rendimento do ordenante”.
- Legislação Fiscal
Nos termos do disposto no artigo 11 da Lei 15/2002, de 26 de Junho, conjugado com o artigo 20 da Lei 2/2006, de 22 de Março, a substituição tributária é o mecanismo legal pelo qual, por imposição da lei, a prestação tributária é exigida a pessoa diferente do contribuinte. Em concreto, o substituto tributário (e.g. entidade moçambicana residente) é responsável pela liquidação e pagamento do tributo, mediante retenção na fonte, em nome do beneficiário do rendimento (e.g. entidade não residente). O artigo 112 do Diploma Legal supra mencionado impõe determinadas obrigações ao substituto tributário, as quais incluem, entre outros, a entrega dos montantes retidos à AT.
A liquidação do imposto compreende, entre outros, a determinação da matéria tributável e o apuramento do imposto a pagar, incluindo as retenções na fonte, e é efectuada com base nas declarações do sujeito passivo, que devem ser claramente preenchidas, nos termos do disposto nos artigos 78 e 79 da Lei 2/2006, de 22 de Março.
Por seu turno, o pagamento dos impostos pode ser efectuado através de vários meios (e.g. numerário ou cheque, débito em conta, transferência bancária) devendo, no acto do pagamento, a AT emitir o respectivo comprovativo ao sujeito passivo, como claramente dispõe o artigo 146 da Lei 2/2006.
Semelhante às disposições da legislação cambial, o artigo 48 do Regulamento do Código do IRPC impõe que as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRPC somente sejam efectuadas quando “se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido”.
- Comentários
Conforme se depreende pelos dispositivos legais supra citados, não há qualquer exigência legal, a nível da legislação fiscal e cambial que imponha a apresentação de quitação fiscal para o pagamento de rendimentos ao exterior.
A questão que se coloca, após uma análise detalhada da legislação cambial, é o que se entende por “comprovativo do pagamento do imposto”, nomeadamente, se este comprovativo tem necessariamente que ser uma certidão de quitação ou se, alternativamente, pode ser tão somente o recibo emitido pela Autoridade Tributária após o respectivo pagamento.
Vale lembrar que, por norma, a certidão de quitação fiscal é o documento que comprova que um determinado contribuinte (pessoa singular ou colectiva) não tem dívidas perante o Fisco. Outrossim, em regra, a prova de pagamento do imposto é demonstrada mediante a apresentação da guia de pagamento do imposto (e.g. M/39) e do respectivo recibo de pagamento emitido pela Repartição de Finanças competente.
Por outras palavras, a confirmação se o imposto relativo a determinada transacção ou rendimento foi devidamente pago à AT deve tão somente ser efectuada mediante os dois documentos supra identificados (e.g. guia de pagamento e recibo). Tanto assim é que a própria AT verifica o cumprimento das obrigações fiscais dos seus contribuintes mediante análise e verificação destes documentos.
- Propostas de solução
Para a resolução deste problema, propõe-se a retirada da necessidade de apresentação da certidão de quitação como prova do pagamento do imposto devido pela transacção, o que pode ser feito sem necessariamente alterar qualquer instrumento normativo.
Enfatizamos que nem a legislação fiscal nem a cambial – os instrumentos que regulam esta matéria, apresentam qualquer orientação expressa que institui a obrigatoriedade de apresentação da certidão de quitação, apenas fazendo referência à necessidade de haver prova do pagamento do imposto retido na fonte.
Portanto, uma vez que esta prova de pagamento do imposto devido pela transacção pode ser feita pela apresentação do recibo e da guia de pagamento, entendemos que a certidão de quitação é um procedimento desnecessário e excessivamente burocrático, com um impacto negativo brutal para as empresas.
Nesta senda, propomos a adopção das seguintes medidas práticas, como prova do pagamento do imposto devido pela transação, nos termos abaixo sugeridos –
- Utilização de recibo e guia de pagamento como prova do pagamento do imposto devido pela transacção, nos casos de pagamentos para o exterior que caiam no âmbito da legislação fiscal doméstica (IRPS e IRPC);
- Utilização de recibo e guia de pagamento, acrescido do formulário específico para a aplicação do tratado de dupla tributação, nos casos em que haja retenção na fonte a taxas reduzidas, por aplicação das regras dos tratados internacionais;
- Utilização de certidão de quitação fiscal ou parecer vinculativo da AT – Direcção de Normação nos casos em que não há lugar a qualquer retenção na fonte em Mozambique, em virtude de os rendimentos pagos serem sujeitos somente a tributação no país da residência do beneficiário, nos termos do disposto nos respectivos tratados de dupla tributação.
Caso a proposta acima mereça a devida aceitação, e com vista à simplificação de procedimentos, propõe-se que a AT coordene com o Banco de Moçambique, para a adopção das medidas acima, que encontram total cobertura legal e serviriam para deburocratizar o processo, conferindo mais celeridade aos processos de pagamento ao exterior e reduzindo os custos administrativos incorridos pela Autoridade Tributária no processo de emissão das certidões de quitação.
Por Roque Magaia